Texto publicado nas redes sociais por Suzane Jardim (29/11)
Meu amigo secreto achava que era absurdo uma garota aceitar tomar cervejas pagas por um homem e se recusar a transar com ele depois.
Foi o que a moça que nos acompanhava na madrugada do dia 30 de novembro de 2013 ousou fazer: aceitou o convite de ir tomar umas cervejas e ouvir música em um apartamento na Vila Mariana, assim como eu havia aceitado, mas não queria fazer sexo com o dono do apartamento.
Então, meu amigo secreto começou a ter um comportamento ofensivo e hostil com a moça em questão.
"Cala a boca, vagabunda", "Essa puta fala demais", etc.
Foi o que a moça que nos acompanhava na madrugada do dia 30 de novembro de 2013 ousou fazer: aceitou o convite de ir tomar umas cervejas e ouvir música em um apartamento na Vila Mariana, assim como eu havia aceitado, mas não queria fazer sexo com o dono do apartamento.
Então, meu amigo secreto começou a ter um comportamento ofensivo e hostil com a moça em questão.
"Cala a boca, vagabunda", "Essa puta fala demais", etc.
Infelizmente, eu era a companhia do meu amigo secreto naquela noite e via esse comportamento agressivo e abusivo ir crescendo conforme a noite passava.
Até que tive nojo.
A situação chegou a um extremo onde não quis mais a companhia daquele cara.
Até que tive nojo.
A situação chegou a um extremo onde não quis mais a companhia daquele cara.
Quando ele me chamou para irmos embora, minha resposta foi:
- Não. Não saio com machistinha escroto.
- Não. Não saio com machistinha escroto.
Ele me mandou repetir.
Eu o fiz.
E o resultado disso foi ter sido atirada de cabeça da janela do apartamento no quarto andar.
Eu o fiz.
E o resultado disso foi ter sido atirada de cabeça da janela do apartamento no quarto andar.
Dois anos se passaram.
E por mais que eu tente, as dores que sinto e que me acompanharão por toda a vida, não me deixam esquecer ou deixar de falar sobre.
Falo da dor física, mas não só.
E por mais que eu tente, as dores que sinto e que me acompanharão por toda a vida, não me deixam esquecer ou deixar de falar sobre.
Falo da dor física, mas não só.
Acordar do coma e descobrir que o rapaz registrou o caso como "queda acidental e possível tentativa de suicídio" apostando na minha morte.
Ter que, lá mesmo, na cama da UTI, lutar para que soubessem o que realmente aconteceu - mesmo com perfurações no pulmão, mesmo à base de doses de morfina, mesmo achando que eu poderia morrer a qualquer hora, mesmo sem saber se um dia eu voltaria a andar.
Meu medo era sair da UTI e ser mandada para uma clínica psiquiátrica. Ser afastada do meu filho e taxada como uma louca suicida incapaz de educar uma criança.
Consegui.
O caso se espalhou, fiz barulho e em poucas semanas o #meuamigosecreto deixou de ser secreto.
Seu nome completo, idade e outros dados, foram divulgados por diversos portais de notícias em todo o Brasil.
Ter que, lá mesmo, na cama da UTI, lutar para que soubessem o que realmente aconteceu - mesmo com perfurações no pulmão, mesmo à base de doses de morfina, mesmo achando que eu poderia morrer a qualquer hora, mesmo sem saber se um dia eu voltaria a andar.
Meu medo era sair da UTI e ser mandada para uma clínica psiquiátrica. Ser afastada do meu filho e taxada como uma louca suicida incapaz de educar uma criança.
Consegui.
O caso se espalhou, fiz barulho e em poucas semanas o #meuamigosecreto deixou de ser secreto.
Seu nome completo, idade e outros dados, foram divulgados por diversos portais de notícias em todo o Brasil.
Fiz exatamente o que todo mundo que se incomodou com a campanha sugeriu:
"denuncia"
"não fica de indireta"
"vai atrás"
"só expor o caso sem nomes não adianta nada"
"denuncia"
"não fica de indireta"
"vai atrás"
"só expor o caso sem nomes não adianta nada"
O resultado foram matérias como essa do Estadão, no melhor estilo "Gay pega gripe e culpa a homofobia".
Um assédio absurdo por parte da imprensa sensacionalista.
Comentários que ressaltavam o quanto eu mereci aquilo - afinal qualquer homem faria o mesmo com uma mulher tão feia.
O recebimento de mensagens de ódio nas redes sociais - coisas como "você não tem vergonha de encher a cara no meio de uma suruba em um apartamento e depois vir politizar a coisa? devia ter morrido, vagabunda"
Ver surgir entre colegas e vizinhos campanhas de apoio ao rapaz:
- Não acredite no que diz a mídia! Toda história tem dois lados! Ouçam o lado do cara!
Precisar ouvir que se eu me desse o respeito isso não aconteceria. Que se eu não fosse uma safada e estivesse em casa com meu filho estaria tudo bem. Que a culpa foi minha, que eu fui burra. Que homem é assim mesmo e que eu deveria saber disso.
Sensação de insegurança, impotência, humilhação - e tudo isso enquanto eu tinha que tentar explicar pro meu filho o porquê da mamãe estar toda machucada, sem andar e usando fraldas em cima de uma cama.
Um assédio absurdo por parte da imprensa sensacionalista.
Comentários que ressaltavam o quanto eu mereci aquilo - afinal qualquer homem faria o mesmo com uma mulher tão feia.
O recebimento de mensagens de ódio nas redes sociais - coisas como "você não tem vergonha de encher a cara no meio de uma suruba em um apartamento e depois vir politizar a coisa? devia ter morrido, vagabunda"
Ver surgir entre colegas e vizinhos campanhas de apoio ao rapaz:
- Não acredite no que diz a mídia! Toda história tem dois lados! Ouçam o lado do cara!
Precisar ouvir que se eu me desse o respeito isso não aconteceria. Que se eu não fosse uma safada e estivesse em casa com meu filho estaria tudo bem. Que a culpa foi minha, que eu fui burra. Que homem é assim mesmo e que eu deveria saber disso.
Sensação de insegurança, impotência, humilhação - e tudo isso enquanto eu tinha que tentar explicar pro meu filho o porquê da mamãe estar toda machucada, sem andar e usando fraldas em cima de uma cama.
Hoje, o caso já é tratado como tentativa de homicídio - não há mais dúvidas e o inquérito está fechado.
O rapaz que tentou me matar,
não prestou socorro,
fez um boletim de ocorrência mentiroso,
não se apresentou quando foi intimado pela polícia
e ficou foragido por quase um ano após seu mandato de prisão ser decretado
conseguiu o direito de aguardar o julgamento - que pode ser daqui meses ou daqui anos - em liberdade.
O rapaz que tentou me matar,
não prestou socorro,
fez um boletim de ocorrência mentiroso,
não se apresentou quando foi intimado pela polícia
e ficou foragido por quase um ano após seu mandato de prisão ser decretado
conseguiu o direito de aguardar o julgamento - que pode ser daqui meses ou daqui anos - em liberdade.
Tem dias que eu me deito pra dormir e percebo que cansa sentir dor o tempo todo.
Cansa saber que eu preciso de fisioterapia permanente. Cansa saber que a cada ano eu vou perder minha mobilidade mais e mais e que as dores que sinto só irão aumentar. Cansa ter que pensar em algo rápido pra responder sempre que alguém me vê de bengala por aí e pergunta "nossa, mas tão jovem... o que foi que aconteceu?". Cansa ouvir "mas Deus é maravilhoso, isso aconteceu pra você aprender uma lição". Cansa ter que explicar, principalmente, o porquê de eu ter lutado tanto e tanto e o meu amigo secreto - LUIS HENRIQUE NOGUEIRA - ainda estar em liberdade.
Cansa subir no ônibus todo dia e ter pânico de talvez encontrá-lo.
Cansa saber que eu preciso de fisioterapia permanente. Cansa saber que a cada ano eu vou perder minha mobilidade mais e mais e que as dores que sinto só irão aumentar. Cansa ter que pensar em algo rápido pra responder sempre que alguém me vê de bengala por aí e pergunta "nossa, mas tão jovem... o que foi que aconteceu?". Cansa ouvir "mas Deus é maravilhoso, isso aconteceu pra você aprender uma lição". Cansa ter que explicar, principalmente, o porquê de eu ter lutado tanto e tanto e o meu amigo secreto - LUIS HENRIQUE NOGUEIRA - ainda estar em liberdade.
Cansa subir no ônibus todo dia e ter pânico de talvez encontrá-lo.
Dois anos e sigo aqui,
como um exemplo involuntário de como funciona a justiça em casos de violência contra a mulher.
De como a mídia e a sociedade tratam a questão quando ela é de fato escancarada.
De como as vítimas são tratadas de um modo cruel enquanto seus agressores seguem impunes.
como um exemplo involuntário de como funciona a justiça em casos de violência contra a mulher.
De como a mídia e a sociedade tratam a questão quando ela é de fato escancarada.
De como as vítimas são tratadas de um modo cruel enquanto seus agressores seguem impunes.
Então só digo: é necessário muita coragem pra expôr nossos casos, dar nomes aos nossos agressores, entender que não temos culpa quando há todo uma estrutura social montada para dizer o contrário.
Jamais julgarei aquelas que quiserem se privar disso.
Ainda hoje dói lembrar como não tive opção alguma de me privar de toda essa violência.
Jamais julgarei aquelas que quiserem se privar disso.
Ainda hoje dói lembrar como não tive opção alguma de me privar de toda essa violência.
A todas vocês que tiveram essa coragem, obrigada.
Ver toda essa movimentação me faz pensar que esses dois anos de batalha e de dor talvez não tenham sido assim tão em vão.
E que apesar de eu ser essa garota "feia",
que provavelmente não presta pois foi "mãe aos 18 anos"
e que faz parte dessa "boa parte da mulherada que não se dá valor e respeito e por isso não pode se queixar":
Ainda mereço amor e respeito,
e não estou sozinha.
que provavelmente não presta pois foi "mãe aos 18 anos"
e que faz parte dessa "boa parte da mulherada que não se dá valor e respeito e por isso não pode se queixar":
Ainda mereço amor e respeito,
e não estou sozinha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário