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domingo, 23 de outubro de 2016

De Luíza para Maria Lúcia

Acordei desanimada, meu corpo doía, estava deitada ao relento e sentia um odor próximo a mim, mas a escuridão do local onde me encontrava, não permitia que eu visse nada que estava ao meu redor. Também, era algo que não queria, as pessoas não me interessavam, o meu sentimento que importava para mim naquele momento e o que eu queria, era apenas permanecer ali. Tentei dormir novamente, mas não conseguia. Meus pensamentos se transformaram num turbilhão de imagens, passei a relembrar um pouco sobre a minha juventude.
Nunca me achei interessante, não gostava de me comunicar, eu sempre fui bem introvertida e me achava apagada, bem sem graça. Quando as pessoas me olhavam, acreditava que elas falavam de mim, com certeza era de mim que elas riam. Com o tempo, fui perdendo a vontade de ir a escola, aquele lugar passou a ser um martírio para a minha vida, mas meus pais não entendiam e continuavam me obrigando a estudar. 
Lembro que um dia ao voltar para casa me deparei com uma situação interessante, foi este momento que transformou a minha vida para sempre. Percebi que um grupo de jovens que estavam próximos do parque, se entendiam. Eles não conversavam entre eles, mas eu consegui compreender de onde estava que entre eles havia respeito. Me aproximei. Ao ser notada, eles me receberam como se já me conhecessem, me senti aconchegada naquele lugar. Parecia loucura, mas era real.
Assim todos os dias depois da escola, ia até eles e permanecia por um bom tempo. Até que um dia decidi não voltar mais para a casa. Ali era a minha casa, eu tinha com eles o que nunca tive com qualquer pessoa que fez parte de minha vida.
No dia que decidi ficar com eles, mudamos de local. Eles viviam assim, como nômades. Passei a ter uma vida de alternativas. O meu medo, o meu segredo, a minha dor, a minha frustração se transformara a viver neste lar, me sentindo protegida pelos que me cercavam. Com o tempo, descobri que tudo se passava de uma boa oratória. Era a forma que eles tinham para levar mais pessoas ao grupo. Minha vida com o tempo, se transformara num inferno. Um dia tentei voltar para casa, mas era tarde. Eles não me deixaram sair. Diziam que ali ninguém podia abandonar "a família". Começaram a me vigiar, a mudar minha forma de ser, de agir e de pensar. Acredito que com o tempo, já não mais me reconhecia, me tornei quem eles queriam que eu fosse. Com o tempo já tinha outro nome, outra cultura, outra crença. Acabei me casando, engravidei e ali estava, deitada e meu corpo doía.

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