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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Marília

Por algum motivo que eu desconheço sempre acreditei não ser da minha família. Não por questões de aparência, mas por nunca ter me considerado membro da família. Sempre pensei diferente, sempre agi diferente e as minhas opiniões eram sempre diferentes. Isso acontecia com as mínimas coisas. Até que um dia foi tomando uma proporção que saiu do meu controle.
Não que eu fosse a certinha, mas sempre agi de forma coerente e nunca gostei de lesar o próximo. Sempre gostei de trabalhar, de ganhar meu dinheiro com honestidade e comprar o que os meus recursos permitiam. Infelizmente, eu era a única da família a pensar assim.
Não é a minha intenção criticar, nem muito menos julgar. Mas meus pais não eram pessoas honestas. O meu pai foi preso quando eu tinha seis anos, minha mãe continuou o seu trabalho durante todo esse período. Meu pai continuava a comandar do presídio e ela obedecia. Meus irmãos eram aqueles que todo mundo tinha medo. Andavam armados e faziam justiça com as próprias mãos. Um certo dia, eu cansei disso tudo, cansei dessa vida de mocinha e bandidos e sem pensar nas consequências, decidi denunciá-los.
Com a minha ajuda a polícia montou um esquema para pegá-los. Foram uns dois meses, observando-os, juntando provas documentais até que chegou o grande dia. Neste dia específico, inventei uma viagem de estudo. Todos acreditaram, mesmo porque eu nunca mentia. Sei que depois de muita confusão, correrias e tiroteios, meu irmão havia sido morto, o outro conseguira fugir e minha mãe havia sido presa.
Quando soube do ocorrido, apesar de saber que era o certo, me senti enojada pelo que havia feito, afinal mesmo errada eram a minha família, senti uma enorme culpa. Fiquei com medo de voltar para casa e sofrer represálias. A polícia estava atrás de mim porque queriam que eu fosse testemunha no julgamento e com certeza a essa altura o meu irmão já sabia que eu tinha sido a denunciante. Neste nosso mundo, nada fica escondido.
Sem nada, mudei de cidade, mudei de nome, tentei arrumar um emprego e recomeçar. As coisas estavam difíceis. Não era fácil arcar com a minha escolha. Depois de muito procurar, consegui um emprego numa lanchonete. Lá me apaixonei por um policial e depois de um ano nos casamos. Ele não estranhou os meus pais não terem vindo para o nosso casamento porque logo quando nos conhecemos havia dito a ele que era órfã (parecia que a mentira já fazia parte da minha vida) e a partir daí me recriei como pessoa.
Quase dois anos juntos e me sentindo realmente feliz, uma descoberta. Lucas (meu marido) vira na delegacia uma foto minha de desaparecida “procura-se”. No início ele não pôde acreditar que era eu, depois de me investigar e constatar, ele me denunciou.

A polícia chegara a minha casa para me buscar. O julgamento da minha mãe estava próximo e eles ainda queriam que eu testemunhasse. Eu pensei em fugir, mas eles me escoltavam. Tentaram me levar a delegacia, mas a esta altura meu irmão já sabia do meu paradeiro e veio atrás de mim para o acerto de contas.

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