Por algum motivo que eu
desconheço sempre acreditei não ser da minha família. Não por questões de
aparência, mas por nunca ter me considerado membro da família. Sempre pensei
diferente, sempre agi diferente e as minhas opiniões eram sempre diferentes. Isso
acontecia com as mínimas coisas. Até que um dia foi tomando uma proporção que
saiu do meu controle.
Não que eu fosse a certinha, mas
sempre agi de forma coerente e nunca gostei de lesar o próximo. Sempre gostei
de trabalhar, de ganhar meu dinheiro com honestidade e comprar o que os meus
recursos permitiam. Infelizmente, eu era a única da família a pensar assim.
Não é a minha intenção criticar,
nem muito menos julgar. Mas meus pais não eram pessoas honestas. O meu pai foi
preso quando eu tinha seis anos, minha mãe continuou o seu trabalho durante
todo esse período. Meu pai continuava a comandar do presídio e ela obedecia. Meus
irmãos eram aqueles que todo mundo tinha medo. Andavam armados e faziam justiça
com as próprias mãos. Um certo dia, eu cansei disso tudo, cansei dessa vida de
mocinha e bandidos e sem pensar nas consequências, decidi denunciá-los.
Com a minha ajuda a polícia
montou um esquema para pegá-los. Foram uns dois meses, observando-os, juntando
provas documentais até que chegou o grande dia. Neste dia específico, inventei
uma viagem de estudo. Todos acreditaram, mesmo porque eu nunca mentia. Sei que
depois de muita confusão, correrias e tiroteios, meu irmão havia sido morto, o
outro conseguira fugir e minha mãe havia sido presa.
Quando soube do ocorrido, apesar
de saber que era o certo, me senti enojada pelo que havia feito, afinal mesmo
errada eram a minha família, senti uma enorme culpa. Fiquei com medo de voltar
para casa e sofrer represálias. A polícia estava atrás de mim porque queriam
que eu fosse testemunha no julgamento e com certeza a essa altura o meu irmão
já sabia que eu tinha sido a denunciante. Neste nosso mundo, nada fica
escondido.
Sem nada, mudei de cidade, mudei
de nome, tentei arrumar um emprego e recomeçar. As coisas estavam difíceis. Não
era fácil arcar com a minha escolha. Depois de muito procurar, consegui um
emprego numa lanchonete. Lá me apaixonei por um policial e depois de um ano nos
casamos. Ele não estranhou os meus pais não terem vindo para o nosso casamento
porque logo quando nos conhecemos havia dito a ele que era órfã (parecia que a
mentira já fazia parte da minha vida) e a partir daí me recriei como pessoa.
Quase dois anos juntos e me
sentindo realmente feliz, uma descoberta. Lucas (meu marido) vira na delegacia
uma foto minha de desaparecida “procura-se”. No início ele não pôde acreditar
que era eu, depois de me investigar e constatar, ele me denunciou.
A polícia chegara a minha casa
para me buscar. O julgamento da minha mãe estava próximo e eles ainda queriam
que eu testemunhasse. Eu pensei em fugir, mas eles me escoltavam. Tentaram me
levar a delegacia, mas a esta altura meu irmão já sabia do meu paradeiro e veio
atrás de mim para o acerto de contas.
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