Páginas

sábado, 23 de abril de 2016

Fernanda

Estava olhando ao longo de minha vida e tentando imaginar onde foi que errei, porém, não consigo ver erros. Vejo desespero, vejo oportunidade, vejo a luta pela sobrevivência, mas errar não. Se tivesse que reiniciar faria tudo de novo, só que com mais experiência, com mais vivência.
Aos 12 anos, minha mãe me deixou com uma amiga, ela precisava ir trabalhar e não tinha com quem me deixar. Este foi o último dia que a vi. Esta mulher que ia cuidar de mim, me colocou no carro e me levou para outra cidade. Disse que precisava fazer uma entrega que não podia esperar e me informou que a minha mãe sabia.
Sem medo, acreditando naquela mulher a qual eu chamava de Débora, fui entregue a própria sorte. Hoje sei que quando ela disse entrega, se referia a mim. Sem dó e sem piedade, ela me largou com uma mulher que todos a chamavam de Doralice. Esta mulher foi o inferno em minha vida. Na mesma noite, ela me vendeu para o primeiro homem que pagara qualquer mixaria. Depois daquela noite de horror, todas as outras foram iguais. Ficávamos presas durante o dia e a noite trabalhávamos para aquela mulher. Bem, acredito que errei com a palavra trabalhar. Sempre acreditei que trabalharia em algo que eu quisesse, que teria uma remuneração e que teria uma certa liberdade. Neste caso, eu trabalhava para sobreviver.
Os anos foram passando e quando completei 14 anos, eu já era considerada de confiança. Doralice permitiu que eu fosse a mercearia fazer umas compras para ela. Não pensei duas vezes, era a chance que eu tinha para fugir. Sabia que seria perseguida e se fosse encontrada que seria duramente espancada, por isso, corri o quanto pude. Não sabia para onde porque não conhecia a cidade. Não podia perguntar nada a ninguém porque eles poderiam me delatar. Peguei o dinheiro que tinha para as compras e entrei no primeiro ônibus. Sentia medo, sentia feliz, me sentia capaz.
Foi a primeira vez que pensei em minha mãe. Não sabia como encontrá-la. Não sabia voltar para a minha casa. Pensei em ir a polícia, mas sempre ouvi Doralice dizer que tinha um amigo na polícia e que se alguma de nós tentássemos alguma coisa, que arrependeríamos. Resolvi então seguir a minha caminhada sozinha.
Sei que de um ônibus fui para outro que me levou a outro. Depois de umas três horas e de ter mudado quatro vezes de ônibus, decidi que estava segura. Olhei o dinheiro, tinha poucos reais, precisava comer, precisava dormir e o dinheiro não dava. Vi umas garotas na rua, fazendo o que me fora ensinado, resolvi então fazer o mesmo. E assim, iniciei novamente o que achei que estava terminado. O tempo foi passando e consegui sobreviver desta forma. Se acho certo? Não sei nem o que é certo. Mas se era o que eu sabia fazer? Com certeza era. Ao longo destes anos, orgulho do que conquistei. Consegui alugar um quarto, comprava as minhas coisas e me alimentava. Não precisava de mais nada. A minha mãe eu já não me lembrava mais. Era como se ela não fizesse mais parte da minha vida. Com o tempo, fui aprendendo algumas maldades, precisava sobreviver e assim o fiz. Se queria mudar o rumo da minha vida? Com certeza queria, mas escolhas nem sempre a gente consegue fazer. As vezes elas são impostas e quando se tem oportunidade de mudar, o medo é tão grande que você estaciona e acaba sendo o que sempre foi.
Se sou fraca? Posso até ser para muitos. Mas para mim, sobreviver a cada dia, me fez uma pessoa mais forte. Não gosto de parar para pensar. Pensar machuca, pensar dá medo, pensar as vezes te enfraquece. E fraqueza não era meu nome. Precisava sobreviver e sobrevivi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário