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quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Aline

Na minha casa parece que nascemos para sofrer. O estranho é que com tanto sofrimento, sempre vi a minha mãe de uma maneira diferente, era como se ela não sentisse ou percebesse as coisas da forma que aconteciam.
A minha mãe perdeu os pais muito nova. Foi trabalhar em casa de família desde pequena e sempre foi muito humilhada. Aos 15 anos conheceu o meu pai com quem foi morar. Teve seis filhos e logo depois que o meu irmão caçula nasceu, meu pai a largou. Aos 26 anos, minha mãe só tinha a gente e mais nada. Nesta época, não tínhamos nada. Meu pai trabalhava e mantinha as despesas da casa. Com a ausência do meu pai, não tínhamos o que comer.
Luis tinha 9 anos, Bernadete 8 anos, eu tinha 6, Lúcia tinha 4, Vanda tinha 2 e Marcos tinha 10 meses. Morávamos numa casa com dois cômodos e comida quase não tínhamos. A maioria das coisas eram ganhadas. Vivíamos com o que as pessoas queriam nos dar. Mamãe nessa época começou a dar faxinas. Bernadete era responsável por nós enquanto mamãe trabalhava. 
Com o primeiro dinheiro, mamãe comprou umas guloseimas para o Luis vender no farol. Era tudo muito pouco, mas mesmo com pouco, ela fazia de tudo para cuidar da gente. Um dia, lembro que veio uma assistente em nossa casa. Ao verificar tudo como estava, tivemos que ir com ela. Ficamos alguns anos vivendo num orfanato. 
Mamãe sempre que podia, ia nos visitar. Não havia um dia que ela dizia que iria nos buscar. O tempo foi passando e nada de diferente acontecia. A esperança foi acabando. Quando tinha 14 anos, recebi a notícia que minha mãe adoecera e que havia morrido. Lembro que chorei muito. A dor era tão insuportável, que planejei a minha fuga. Me sentia tão só.
Um dia, depois de muito planejar, consegui fugir. Corri tanto, mas tanto, que só parei quando achei que não seria mais encontrada. Morei muitos anos na rua. Continuava vivendo de favores dos outros. Aos 16 anos conheci Arnoldo, ele também era morador de rua. Não sei o que sentia, mas a ausência de tudo me fez ficar com ele. Não o amava, mas a presença dele do meu lado me fazia bem. 
A minha vida foi assim: vivendo. Não tinha planos, não tinha sonhos e vivia um dia de cada vez. Não sabia o que era ser feliz. Senti a dor da perda desde nova e nunca soube o que era ganhar, o que era ter, o que era conquistar. Aprendi a sobreviver e isso bastava.

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