Sempre fui aquela pessoa que
passava desapercebida na vida. Não sei se era pela timidez ou pelo meu jeito
sem graça. Na escola vivia isolada pelos meus colegas, em casa parecia que eu
não existia. A atenção dos meus pais era sempre voltada para a minha irmã mais
nova.
Por outro lado, num determinado
momento, achava bom. Tinha minha vida que era só minha e ninguém se preocupava.
Comecei a viver com alguns rituais. Eu tinha ritual para levantar, me arrumar,
tomar banho, lanchar, ir para a escola, dormir e até rezar. Não sei se alguém
percebia, acredito que não e se percebesse com certeza eu escutaria algo do
tipo: “é só para chamar atenção.”
De qualquer forma fui crescendo
assim. Comecei a me vestir de forma diferenciada. No início minha mãe achou
estranho, mas depois ela se acostumou. Na realidade, não sei se ela acostumou
ou porque ela só tinha tempo para minha irmã Madalena. Mesmo já crescida, as
atenções continuavam para ela. Nesse momento da minha vida, eu já nem ligava.
O que pude perceber com a minha
transformação é que eu já não era mais a mesma. Me sentia forte, poderosa e
sabia que as minhas colegas tinham medo de mim. Ninguém se aproximava, poucos conversavam
e o mundo da magia me admirava. Sei que no fim do ensino fundamental muitos
falavam que eu me tornara uma bruxa e que eu vivia fazendo feitiços. Na realidade,
tudo que acontecia de estranho na escola, todos me olhavam como se eu fosse a
reprodutora daqueles acontecimentos.
Bruxa ou não, aquilo me deu um
poder que eu não imaginava. Comecei a ler a respeito, a conversar com as
pessoas que eram consideradas bruxas em suas cidades. Havia até comunidades que
viviam de bruxarias. Dedicava todo o meu tempo tentando me transformar nesta
pessoa que todos acreditavam que eu era.
Com o tempo fui mais além. Me tornei
um ser complexo, pragmático e misterioso. Passava as madrugadas treinando
falas, gestos e magias. Fui começando a ter um respeito das pessoas que nem
imaginava. Um dia numa brincadeira uma colega me desafiou. Se você fizer “isso”
para mim, te dou a minha joia. Eu com um tom irônico falei: “isso é fácil, esse
colar já é meu.” E não sei como dois dias depois, o colar já estava em minhas
mãos. Foi a primeira de muitas coisas que adquiri.
Depois disso, o meu nome se
espalhou. As pessoas vinham de todos os lugares querendo que eu fizesse algum
tipo de feitiço. Em pouco tempo já tinha tudo o que o dinheiro podia comprar,
só não comprava o que hoje mais desejo, a minha liberdade.
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