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terça-feira, 14 de abril de 2015

Bernadete

As vezes eu penso se sou normal. Mas sempre fico pensando o que pode ser a normalidade baseado no local onde vivo? Somos pessoas abertas que fala na cara e não manda recado. Encrenqueiras por natureza e que gosta de dominar. 
Quando aqui cheguei, pensei que meu mundo havia acabado, pensei que não sobreviveria, até porque tenho uma estatura mediana e sou muito esbelta, meu jeito era retraído e eu quase não falava. Sei que é desculpa de muitas que aqui estão, mas sei que me confundiram. Sabe quando você está no lugar errado, na hora errada e fazendo nada de errado. Foi assim mesmo que eu estava quando a minha vida transformou.
Não gosto muito de lembrar da minha estória, para ser sincera as vezes penso que a "eu antes" nem existiu. Quando vejo o meu "eu hoje" a uma distância imensa entre quem fui e quem me tornei. A vida nos ensina a sermos duros e temos que crescer a todo custo.
Resumindo, a minha estória é assim: sempre fui certinha, ia a Igreja, estudava, trabalhava e ajudava a minha família. Um dia quando estava retornando do trabalho, havia uma senhora passando mal, parei para ajudá-la. Uma confusão se instaurou próximo a mim. Esbarraram na gente, ela quase caiu, eu a segurei, nossas coisas caíram das bolsas, eu peguei e carreguei as duas bolsas até conduzí-la a um banco.
Nesse mesmo instante um casal discutia, dois jovens fumavam próximos a nós e parecia que um senhor fechava um negócio pelo telefone. Sei que por algum motivo, surgiram uns policiais que nos renderam e começaram a vasculhar as nossas coisas. Estava despreocupada pois nunca havia feito nada que me incriminasse. Um dos policiais arrancou as duas bolsas do meu braço e jogou todo o conteúdo sobre o banco.
Ele encontrou um saco de comprimidos, duas buchas de droga, um cachimbo e uma arma. Ele olhou para mim e disse: - você está encrencada. Eu não entendi nada, só falei: - seu guarda, isso é um engano. Não é meu. E ele rindo disse: - é deve ser meu. Algema essa aí.
Quando ele disse isso, entrei em pânico. Tentei fugir. Corri bastante. Mas logo o policial me pegou e disse: - está presa também por resistência a prisão. E assim começou a minha nova vida. Fui para a delegacia, prestei depoimento e podia fazer uma ligação. Liguei para a minha casa e quando a minha mãe atendeu disse: - você é uma vergonha para a sua família. Espero que apodreça na prisão. E desligou o telefone na minha cara.
Assim, já se passaram oito anos. Nunca recebi uma visita, nunca fui levada a julgamento, não tinha um advogado de defesa e minhas esperanças foram se esvaindo. De início, acreditei estar no próprio inferno. Com o tempo aprendi a me defender e me tornei igual a elas (as presidiárias com quem convivo).
Numa noite dessas chegou um frango novo. Assim, chamávamos as recém chegadas que pareciam comigo no dia que cheguei. Nova, bobinha, era objeto de desejo de muitas que ali estavam. Ouvi elas planejarem como seria a noite de estreia. Relembrei cada segundo do que passei. De alguma forma não queria que isso acontecesse com ela. Bobagem minha, porque mais cedo ou mais tarde, sempre acontece. 
Sem pensar, no momento que elas iam dar o"trote" para a novata, resolvi intervir em sua defesa. Nesse instante lutei com umas cinco. Lembro que apanhei bastante, estava sangrando muito e elas não paravam. Em algum momento perdi os sentidos e desmaiei.

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