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domingo, 19 de abril de 2015

Dália

Eu cresci sem a presença do meu pai. Sempre imaginei como seria se ele estivesse comigo: me levaria à escola, iria nas festas familiares, comemoraria o meu aniversário, poderíamos brincar, conversar e até sair juntos. Idealizei-o ao meu lado sendo pai e um grande amigo. Todos estes anos culpei a minha mãe por ter me afastado dele. Nunca parei para ouvir os seus motivos por tais decisões.
Quando fiz 13 anos decidi que faria de tudo para encontra-lo. Comecei a vasculhar os pertences de minha mãe para encontrar alguma pista. Ia sondando amigos e familiares para saber quem ele era e onde ele poderia estar.
Lembro que um dia ouvi uma conversa da minha tia com a minha mãe. A minha mãe não sabia que eu estava em casa e a minha tia dizia a ela que mais cedo ou mais tarde, eu teria que saber a verdade.
- Verdade? Você só pode estar brincando Odete. Disse a minha mãe.
- Não Eugênia. Sua filha está crescendo, você sempre omitiu a verdade dela e ela coloca aquele monstro como um herói.
Monstro? Quem é a minha tia para falar do meu pai daquele jeito. Quase que no ímpeto já estava indo para a sala tirar satisfação com a minha tia, porém, como a minha mãe continuou falando, me contive e deixei-me ouvir o que ela tinha para falar.
- Odete e você quer que eu falo o que? Olha minha querida filha, o seu pai que você sonha a vida inteira, nunca te quis. Primeiro quando estava grávida, ele me machucou para que eu a perdesse. Depois quando você nasceu, ele nos manteve em cárcere, depois ele tentou te matar envenenando o leite que você tomava. Como se não bastasse, no dia que você passou mal e eu gritei o quanto pude para que os vizinhos ouvissem e pedissem socorro, fui espancada e quase morri por tentar te salvar.
Essas palavras percorreram o meu corpo e esmagaram o meu peito, lágrimas caíam sob o meu rosto. Estava indignada. Como pude ser tão cruel com a minha mãe? Foi por isso, que ouvi uma certa vez a minha avó dizer que éramos fortes, éramos sobreviventes. Sempre achei que fosse uma brincadeira ou um modo de dizer. Hoje entendo o que ela se referia.
Infelizmente não deixei que o assunto terminasse ali. É claro que fingi não ter escutado a conversa, mas a guardei por longos anos. Nos seis anos que se sucederam não falei mais sobre o meu pai, mas alimentava um ódio por ele a cada dia. Fui aos poucos descobrindo quem ele era, onde estava e o que fazia.

Numa tarde saí com uma mochila nas costas, com o dinheiro que havia juntado e coloquei o pé na estrada. O dia enfim chegara e com ele a prestação de contas de toda uma vida.

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