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segunda-feira, 13 de abril de 2015

Maria Lúcia

Eu sempre achei que era feliz, mas depois fui vendo que eu era uma pessoa tão limitada que comecei a ficar na dúvida se era ou se imaginava ser. Sempre achei que a vida perfeita era amar, respeitar e servir a quem amamos. Assim fiz com os meus pais e depois permaneci assim com meu marido e filhos.
A minha vida era simples e rotineira. Acordava cedo, cuidava dos afazeres domésticos e me arrumava para esperar o meu marido chegar do trabalho. Neste período cuidava dos filhos e os deixava prontos para aguardar a chegada do pai. Na sua presença, jantávamos, conversávamos um pouco e íamos deitar.
Com o decorrer dos anos, a minha filha sempre me questionava se não me faltava nada. Eu nem precisava pensar porque a resposta era sempre a mesma. – Faltar o que? Minha vida é perfeita. Ela olhava para mim e não dizia mais nada.
Depois achei que ela gostava de comentar as coisas externas que aconteciam, que gostava de me manter a par da situação já que eu quase não saía de casa. Com o tempo, comecei a achar se era algum tipo de maldade, mas ficava observando-a e não conseguia sentir isso vindo dela. Um dia perguntei a ela qual era o motivo dela me contar o que acontecia com a família de suas colegas. Ela me disse que eu devia deixar de ser ingênua, se eu nunca havia reparado o que era a minha vida.
Senti vontade em dar-lhe um tapa de tanto atrevimento dela falar assim da minha vida. Mas me contive. Anastácia sempre fora assim meio rebelde. Só que uma coisa aconteceu. Comecei a cada dia a me sentir estranha, indagava tudo que me acontecia e o que poderia estar errado. Um dia, ao sair de casa, comecei a entender o que minha filha queria me dizer. Olhava para mim e não me reconhecia mais. Parecia que os anos haviam passado e que eu me transformara numa mulher terrivelmente acabada.
Meu sentimento foi de vergonha. As mulheres estavam arrumadas, cuidadas e eu parecia um maltrapilho. Voltei para casa me sentindo mal. Como pude fazer isso comigo? Quem havia me tornado? Depois desse dia fui me retraindo cada dia mais. Fiquei pensando o porquê de nunca ter ido a uma festa ou a uma reunião de escola. Percebi que todos que me cercavam tinham vergonha da pessoa que eu era.

Com o tempo fui perdendo tudo o que eu tinha e amava. Meus filhos cresceram e seguiram seus caminhos, meu marido eu não sabia por onde ele andava, a minha casa parecia mais um lugar mal assombrado. Não arrumava, não cuidava, tudo deixou de ter valor. Não sentia vontade de fazer nada, nem de comer nada, nem de ser nada. Aliás, nada eu já era. Só esperava o momento que eu poderia parar de pensar e descansar eternamente.

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